segunda-feira, 4 de maio de 2009

Seja mal-vindo!


A visita do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, ao Brasil, nesta quarta (6) foi alvo de manifestações simultâneas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Segundo organizadores, cada uma atraiu cerca de mil pessoas - entre membros da comunidade judaica e da fé bahá'í (perseguida no Irã), evangélicos, homossexuais e grupos de defesa dos direitos humanos e das mulheres. Em São Paulo, os protestos ocorreram na praça Marechal Cordeiro de Farias, perto da avenida Paulista. No Rio, em Ipanema, os manifestantes usaram o mote "senhor presidente, explique ao convidado" e falaram de temas como "direitos humanos", "respeito à mulher" e "liberdade sexual".

Esse tal de Ahmadinejad - acusado de assassinar líder curdo Abdorrahman Qassemlou num apartamento em Viena em 1981 - beira a insanidade mental. É revoltante que um líder político, em pleno século XXI, defenda opinões obsoletas, expondo-as internacionalmente e com a propriedade de quem fala sobre uma verdade absoluta. Ahmadinejad defende que relações homossexuais devem ser punidas com morte e que mulheres devem ser submissas aos ditames masculinos, humilhadas. Como se não bastasse, o infeliz ainda teve a coragem - pra não dizer audácia - de afirmar, na Conferência da ONU Antiracismo, que o holocausto não existiu efetivamente, negando um dos maiores massacres humanos da história, no qual morreram cerca de 6 milhões de judeus. Não são à toa, portanto, as manifestações de protesto contra o dito cujo. De fato, seria um pouco preocupante se houvesse interesse, por parte do presidente Lula, de estabelecer um intercâmbio acerca de questões sociais e políticas com Ahmadinejad. Os interesses, porém, são comerciais. Celso Amorim, diplomata nato, explicou os motivos da visita
do presidente iraniano ao Brasil e argumentou claramente em relação às manifestações: "Não deveria haver [críticas] porque na realidade nós temos relações com o Irã. O Irã é um grande país, que indiscutivelmente tem papel no Oriente Médio e é um parceiro. Não deixamos de dar nossas opiniões, publicamente o fizemos recentemente, de modo que não vejo preocupação. E, se com cada país com que discordamos de alguma coisa, não pudermos aceitar visitante aqui, vai ficar muito difícil, não vamos receber ninguém".

Desconsiderando a falta de credibilidade das falas de Ahmadinejad e sua radicalidade ideológica,
reivindações feitas por ele, acerca dos problemas gerados pelo conflitos entre judeus e palestinos suscitam uma questão delicada a ser discutida: a grave situação dos muçulmanos em meio à conturbada região da Palestina. Apesar de possuir um histórico de conflitos étnico-religiosos, os conflitos no Oriente Médio se agravaram no século XX, principalmente após a criação do Estado de Israel, em 1948, motivado pelo movimento sionista. Desde então, as diferenças e o ódio entre judeus e palestinos se acirraram. Os palestinos odiosos por terem sido expulsos de grande parte do território que ocupavam, tendo que abandonar suas casas e obrigados a se espremer em uma área muito reduzida, totalmente desproporcional em relação ao número de pessoas. Os judeus, por sua vez, cultivam o rancor de terem passado por diversos massacres e perseguições, forçados a se espalhar pelo mundo, amargando a ausência de um território onde pudesse ser fundado um Estado próprio. O grande disparate da situação é o fato de os israelenses contarem com o apoio dos EUA, desfrutando de ajudas militares, políticas e econômicas. Diante disso, os palestinos se encontram encurralados, enquanto Israel coloca em prática - superando as resistências - o seu plano de dominação territorial e expulsão dos muçulmanos da área. Para piorar a situação, os refugiados palestinos são um caso único. Eles não têm a proteção internacional que os demais refugiados recebem do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e já contabilizam-se cerca de 4 milhões de muçulmanos refugiados pelo mundo, principalmente nos países árabes vizinhos. Não satisfeitos com a condição de dominadores da situação no Oriente Médio, os israelenses construíram um muro quilométrico, separando as áreas judaicas e muçulmanas. É o ápice da segregação social.

Os palestinos estão desolados. Encurralados pelos judeus, eles não têm perspectivas de contar com lideranças políticas sólidas e reconhecidas internacionalmente, capazes de discutir diplomaticamente as questões do seu povo e atuar na resolução dos seus problemas sociais. Isso é comprovado pela recente eleição (democrática) do Hamas para governar a Palestina, que foi impedido de exercer o poder por ser considerado muito radical pelas autoridades israelenses - que mandam e desmandam no local. A humanidade insiste em lembrar dos palestinos apenas como fundamentalistas agressivos e mortais. O mundo tem esquecido de observar as questões humanas de todo esse conflito, e deixa-se levar facilmente pelas análises superficiais da mídia, totalmente condizentes com a ideologia americana e omissas em relação às reais condições de vida dos muçulmanos.

E quanto ao pateta iraniano, ele não vem mais na quarta-feira... Alá é grande!

2 comentários:

  1. Estabelecer um juízo a respeito da cultura muçulmana e seus conflitos é algo extremamente irracional. Digo isso porque nasci no Brasil, sou fruto de uma educação cristã e os valores que absorvi são quase todos contrários aos valores islâmicos. O papel da mulher e do homem na sociedade, o valor da liberdade, o conceito de evolução humana, a democracia e o Estado de Direito. Todos esses conceitos são formulados tendo como base a matriz cultural do indivíduo. Para um muçulmano - e muçulmana - é normal que um homem se case com mais de uma mulher. Para nós ocidentais, isso além de ser ilegal, é também visto como um costume de uma sociedade machista e retrógrada. O que para nós é certo, para eles é errado. Daí me vem a pergunta: Quem somos nós para dizer o que é de fato bom para a humanidade?
    Não sou de forma alguma favorável às atrocidade cometidas pelos fundamentalistas religiosos. Mas considero um grande erro e contradição julgar atitudes que são movidas por uma fé alheia à nossa compreensão.

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  2. Celso Amorim foi brilhante, como sempre, ao defender a vinda do presidente. A contradição de valores nos causa uma rejeição quanto ao seu modo de pensar, mas de maneira alguma isso iria justificar cortar as relações. Essa não é a solução. Como ele mesmo afirmou, os manifestantes defenderam o ponto de vista nacional e não há nenhum problema nisso, pelo contrário. O que nós não podemos fazer é virar as costas para as oportunidades deixar de descascar a banana só porque a casca ta podre.

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